Houve com certeza em Monte de Fralães muitos homens de que aqui se devia guardar memória. Dos quatro de que vou falar agora, resta uma base documental. E sem ela nada se pode fazer.
Deles, só um foi fralanense – Luís Costa – e esse fez a sua vida por distantes paragens. Mas guardou sempre recordação da terra natal.
O P.e Jácome Dias merece indubitavelmente a nossa atenção, pois dedicou-se de alma e coração à sua paróquia e deixou memoráveis realizações.
Aires do Rio distinguiu-se pelo seu bairrismo, escreveu e publicou ao menos um dos seus escritos.
Manuel de Figueiredo foi também uma referência para a freguesia durante muitos anos. A biblioteca que reuniu na torre de Fralães mostra que não foi de ocasião a sua ligação a esta casa.
Jácome Dias, pároco quinhentista
Em 1561, chegou a Monte de Fralães um pároco novo. E quanta necessidade dele havia! Ao longo de 50 anos, a freguesia tinha vivido numa situação irregular de esbulho. Mas agora, por iniciativa de Belchior Correia de Lacerda, o senhor da Honra de Fralães, vinha paroquiá-la um homem que certamente já dera provas da sua capacidade para pôr aqui as coisas em ordem.
A igreja, antiquíssima, continuava ainda no cimo do monte, entre as ruínas da velha «cidade de Lenteiro», como lhe chamavam as Inquirições de 1258. Ruína entre ruínas, mais «parescia casa de gado», no dizer do novo pároco.
Jácome Dias, assim se chamava ele, integrado na nova dinâmica que animava a Igreja, pôs mãos à obra para corrigir o mal feito. Mudou a igreja «à povoação», isto é, trouxe-a para o actual terreiro, dotou-a das alfaias indispensáveis, pôs-lhe um retábulo em três painéis – maneiristas, decerto, que era o que se usava –, iniciou os registos paroquiais num livro com um rosto artisticamente trabalhado e colorido e a que deu o título de Memorial dos baptizados, mortos, e casados de sam Pº do monte ab anno 1561 que foi posto pelo abade Jácome Dias... Homem empreendedor, generoso e dedicado e com certeza culto, empenhado em deixar uma marca para a história, fez por isso preceder os registos de um memorando, uma «lembrança» ou «memória» para os «que vierem depois», como escreveu.
De justiça é pois que o recordemos. Aliás, não somos o primeiro a fazê-lo; dizem-nos que já alguém o fez na revista Armas e Troféus, nº 3, de 1977.
Os senhores de Fralães
Faz sentido dedicar aqui algumas palavras aos homens que senhorearam Fralães ao longo do século XVI. O próprio P.e Jácome Dias refere vários deles, foi um que o apresentou «nesta sua igreja», culpa um outro da situação confrangedora a que ela chegara, etc.
Um «senhor» de Fralães que sai muito maltratado, supomos que com justiça, dum escrito do P.e Jácome Dias é Garcia da Cunha. Eis o que dele se sabe:
Há-de ter nascido na última década do século anterior. Era filho de Gonçalo Correia[1] e Margarida do Prado, e na família havia seis irmãos: Diogo Correia Francisco da Cunha, o próprio Garcia da Cunha, D. Maria da Cunha («mulher de Febos Moniz Repostº-mor delRei D. Manoel»), D. Isabel da Cunha e D. Leonor Correia («mulher de Martim de Tavora Mestre-sala da Rª Catholica D. Isabel»).
Vê-se que se tratou de gente paçã.
Garcia da Cunha, que não casou, foi à Índia com o irmão Francisco da Cunha, em companhia do parente Tristão da Cunha – certamente em 1506 (terá também seguido com o mesmo Tristão da Cunha, em 1514, na célebre embaixada ao Papa?). Foi apesar de tudo pai de «D. Elena da Cunha q casou com Paulo da Fonseca em Braga fazendolhe seu pae hu vinculo em Villameam junto a quinta de Farlães».
Segundo Teotónio da Fonseca, este vínculo estabeleceu-se em . Parece deduzir-se contudo da informação do P.e Jácome Dias que a essa data Garcia da Cunha já tivesse morrido.
Uma dúzia de anos antes, aquando da realização do tombo de Viatodos, Garcia da Cunha é mencionado, como se viu acima.
Diogo Correia, o seu irmão mais velho, foi quem sucedeu em Fralães. Casou com D. Isabel Pereira, filha de Álvaro Pinheiro Lobo, o velho, alcaide-mor de Barcelos, e de sua primeira mulher D. Joana de Lacerda (importantes estas mulheres, pois, mais adiante, os senhores de Fralães adoptarão o apelido de Lacerda – que delas lhes veio.)
O casal teve onze filhos: Francisco Correia (que «morreo moço»), Belchior Correia de Lacerda, António Pereira Correia, Paulo da Cunha, Gonçalo Correia da Cunha, Nicolau da Cunha (que «morreo minino»), Nuno Álvares Pereira, Álvaro da Cunha (que se fez frade crúzio), D. Maria (freira em Vila do Conde), D. Elena (freira em Estremoz), D. Margarida Cunha («Dama da Infante D. Isabel e m.er de D. Fernando de Nr.ª»).
A morte prematura de Francisco Correia não evitou que Belchior Correia de Lacerda, filho segundo, fosse à Índia. Foram também à Índia António Pereria Correia e Gonçalo Correia da Cunha; Nuno Álvres Pereira, esse finou-se por lá (ou talvez não, segundo a nota da página anterior).
Belchior Correia de Lacerda, o homem que chamou o P.e Jácome Dias, «herdou a casa de seu pae, e foi s.r da quinta e honra de Farlães». Casou com D. Isabel de Pina, filha de Fernão de Pina e de sua mulher, Guiomar de Almeida. Como não teve geração, a casa passou ao irmão António Pereira Correia.
António Pereira Correia, que, em 1527 acompanhou à Índia o governador Nuno da Cunha, foi ainda comendador de S. Miguel de Borba de Godim, junto a Felgueiras, por morte de D. João III, no ano de 1547. Casou com D. Violante de Azevedo, filha de Cristóvão Azevedo Coutinho, escrivão da Lixa, a qual ele furtou e, depois de terem alguns filhos, casou com ela.
Não obstante este princípio nada edificante, ainda teve filhas freiras, uma em Guimarães, outra em Estremoz, como aliás o P.e Jácome Dias anotou. Também nos assentos da paróquia aparecem alguns dos filhos masculinos, que foram: Cristóvão Correia Pereira, Diogo Correia de Lacerda, Manuel de Lacerda Pereira, Nuno Álvares Pereira.
Estas informações da Pedatura Lusitana confirmam e ampliam as que iremos colher dos escritos do P.e Jácome Dias.
A trasladação da igreja
Vejamos agora o seu memorando da trasladação da igreja e de como o pároco a dotou dos seus pertences:
Na era de mil quinhentos e sessenta e um, fui eu, Jácome Dias, vigário de S. Salvador de Arnoso, provido desta igreja de S. Pedro do Monte de Fralães, a apresentação de Belchior Correia de Lacerda, fidalgo e padroeiro in solidum de dita igreja, mas de pouco rendimento, porque, no primeiro ano arrendei os frutos dela a Gonçalo Álvaro, da Porta, da mesma freguesia, por doze mil réis, e por causa desta larguei a vigararia de S. Salvador de Arnoso e renunciei-a em Luís de Araújo, presbítero, morador em Braga.
Declaro, para lembrança dos que vierem depois, que um Garcia da Cunha, morador em Vila Meã, da freguesia de Silveiros, comeu os frutos dela cinquenta anos, em coroça, contratado com Simão Barbosa que fosse abade e ele comesse os frutos, e assim foi.
A qual igreja estava em cima no monte e não diziam missa senão de mês em mês. Assim se morreram estes dois e tal ficou que não tinha de seu mais que ermida no monte, que mais parecia casa de gado que igreja; tão desborratada a achei no espiritual e temporal que nem os fregueses eram curados como cumpria nem ela tinha coisa que pudesse servir. Por modo que, como esta não tinha serventia competente, nem os fregueses se enterravam nela, mas, como ovelhas sem pastor, se enterravam, em outras igrejas onde se antolhasse.
E logo, na sobredita era de sessenta e um, me foi mandado por visitações de Manuel Coelho, visitador, a mudasse à povoação, onde ora está. E mudei e fiz toda às minhas custas por os fregueses não serem mais que doze e pobres. Somente me deram seis mil réis para ajuda. E ela feita e acabada pelo ano de sessenta e cinco, por visitações, comecei a compor o retábulo que ora tem, de três painéis, scilicet, S. Pedro, S. Paulo, S. Miguel e outras pinturas no pé do retábulo de que tinha devoção. E custou-me o retábulo em branco dois cruzados, e os painéis trinta cruzados. E, para que haja memória, pus uma vestimenta de festas de damasco alaranjado com seus sabrastos de brocadilho verde. Item um cálice; pus também vaso e patena de prata, pé de latão dourado. Item pus mais um livro de missa bracarense. Um manual; uma toalha, duas francesas para os altares; pus uma pedra de ara; uma caixa pintada para os corporais; três mesas de corporais, um cendal vermelho, uma lanterna, uma caixa de couro para o cálice; um turíbulo, umas galhetas, umas vidraças na fresta. Comprei também umas âmbolas para os óleos, uma caldeira para a água benta; uma verga de ferro para a corrediça, a corrediça de linho, um frontal de gomedecil, uma caixa nova para os ornamentos; um confessionário me custou três cruzados, com dar a madeira; um escabelo ao pé do altar, uma vestimenta de chamalote nova, um catecismo, forro para o altar-mor, uma caixa de couro para as hóstias, um livro de duas mãos de papel branco para as visitações.
E, porque isto tudo passa na verdade, eu, Jácome Dias, abade desta pobre dita igreja de São Pedro do Monte, pus esta lembrança na qual declaro que não lhe achei coisa de assento, nem casa nem campo, somente o dízimo destes doze fregueses, e ainda eles pagam a Viatodos muita parte sem ter propriedade alguma que eu visse nem soubesse parte.
Assim eu levei muito trabalho, descanso para o que vier depois; mas confio que Aquele que assim o determinou me perdoará meus pecados e dará a cada um secundum opera sua.
Em Fralães, aos vinte de Janeiro de mil e quinhentos e sessenta e quatro.
Uma estante para o altar, pintada; uns tocheiros.
Jácome Dias, abade de S. Pedro do Monte. Comecemos por notar que há erro numa das datas do autor. Ele conclui o seu apontamento em sessenta e quatro quando no corpo do texto refere já como passada a data de sessenta e cinco. Como é claro pelo registo de óbito de Belchior Correia de Lacerda, estes apontamentos foram lançados para o livro em data bastante posterior, embora existissem seguramente já em rascunho. Daí acaso qualquer erro de cópia.
Já vimos antes como em 1548, no Tombo de Viatodos, surgiam Garcia da Cunha e Simão Barbosa, os homens que aqui são responsabilizados pelo descalabro da paróquia. Belchior Correia de Lacerda não apareceu na altura. Não residiria ainda na sua honra.
Não será impossível que parte das despesas – até pelo seu volume e pelo reduzido espaço de tempo em que a obra terá sido feita – tenha sido custeada pelo senhor da Honra de Fralães, apesar do que o P.e Jácome afirma em contrário: «E mudei e fiz toda às minhas custas por os fregueses não serem mais que doze e pobres. Somente me deram seis mil réis para ajuda.»
Provavelmente, foi também Belchior Correia de Lacerda – que não tinha filhos – quem dotou a paróquia de passal e, quem sabe, de elementar residência. A igreja era «sua». O P.e Jácome Dias declara-o muito seu amigo, quando lhe escreve o registo de óbito.
O Tombo de Viatodos, que é um extenso documento, assinala propriedades da paróquia em várias outras freguesias, mas nenhuma em Monte de Fralães, como neste documento se afirma.
Cerca de setenta anos mais tarde, o pároco Pedro de Freitas lança no mesmo livro dos registos paroquiais uma relação dos bens da igreja que condiz muito de perto com a do P.e Jácome Dias.
A partir de meados do século XVIII, Monte de Fralães passou a servir-se sobretudo da capela de Nossa Senhora da Saúde, que tinha sido alargada duas vezes, que tinha rendimento próprio, que era certamente maior e mais ao gosto artístico do tempo. A igreja paroquial foi caindo em abandono. Quando o P.e João Rosa curou a freguesia, tratou de restaurá-la, notando certamente a sua valia histórica. Todavia, no dealbar da República acabou por ser demolida. Conservam-se dela algumas pedras que indubitavelmente atestam a sua antiguidade.
[1] Segundo um documento de Vilar de Frades, publicado em Joaquim Alves Vinhas, A Igreja e o Convento de Vilar de Frades, Barcelos, 1998, pág. 324: «Debaixo da torre velha obrarão os senhores de Farellães no anno de 1519 huma capella para seu enterro em que estão sepultados Gonçalo Correa, e sua mulher Dona Margarida de Prado, e sua cunhada Dona Maria de Prado senhora da quinta da Juncoza; jazem mais na dita capella Diogo Correia e sua mulher Dona Izabel e seu irmão Dom Nuno Alvares Pereira».
Nas imagens: a assinatura do abade Jácome Dias e framento duma folha dum caderno onde se assinala a venda, em 1911, dos altares e da tribuna da Igreja Velha, que é esta que o P.e Jácome Dias trasladou do monte "à povoação".
Deles, só um foi fralanense – Luís Costa – e esse fez a sua vida por distantes paragens. Mas guardou sempre recordação da terra natal.
O P.e Jácome Dias merece indubitavelmente a nossa atenção, pois dedicou-se de alma e coração à sua paróquia e deixou memoráveis realizações.
Aires do Rio distinguiu-se pelo seu bairrismo, escreveu e publicou ao menos um dos seus escritos.
Manuel de Figueiredo foi também uma referência para a freguesia durante muitos anos. A biblioteca que reuniu na torre de Fralães mostra que não foi de ocasião a sua ligação a esta casa.
Jácome Dias, pároco quinhentista
Em 1561, chegou a Monte de Fralães um pároco novo. E quanta necessidade dele havia! Ao longo de 50 anos, a freguesia tinha vivido numa situação irregular de esbulho. Mas agora, por iniciativa de Belchior Correia de Lacerda, o senhor da Honra de Fralães, vinha paroquiá-la um homem que certamente já dera provas da sua capacidade para pôr aqui as coisas em ordem.
A igreja, antiquíssima, continuava ainda no cimo do monte, entre as ruínas da velha «cidade de Lenteiro», como lhe chamavam as Inquirições de 1258. Ruína entre ruínas, mais «parescia casa de gado», no dizer do novo pároco.
Jácome Dias, assim se chamava ele, integrado na nova dinâmica que animava a Igreja, pôs mãos à obra para corrigir o mal feito. Mudou a igreja «à povoação», isto é, trouxe-a para o actual terreiro, dotou-a das alfaias indispensáveis, pôs-lhe um retábulo em três painéis – maneiristas, decerto, que era o que se usava –, iniciou os registos paroquiais num livro com um rosto artisticamente trabalhado e colorido e a que deu o título de Memorial dos baptizados, mortos, e casados de sam Pº do monte ab anno 1561 que foi posto pelo abade Jácome Dias... Homem empreendedor, generoso e dedicado e com certeza culto, empenhado em deixar uma marca para a história, fez por isso preceder os registos de um memorando, uma «lembrança» ou «memória» para os «que vierem depois», como escreveu.
De justiça é pois que o recordemos. Aliás, não somos o primeiro a fazê-lo; dizem-nos que já alguém o fez na revista Armas e Troféus, nº 3, de 1977.
Os senhores de Fralães
Faz sentido dedicar aqui algumas palavras aos homens que senhorearam Fralães ao longo do século XVI. O próprio P.e Jácome Dias refere vários deles, foi um que o apresentou «nesta sua igreja», culpa um outro da situação confrangedora a que ela chegara, etc.
Um «senhor» de Fralães que sai muito maltratado, supomos que com justiça, dum escrito do P.e Jácome Dias é Garcia da Cunha. Eis o que dele se sabe:
Há-de ter nascido na última década do século anterior. Era filho de Gonçalo Correia[1] e Margarida do Prado, e na família havia seis irmãos: Diogo Correia Francisco da Cunha, o próprio Garcia da Cunha, D. Maria da Cunha («mulher de Febos Moniz Repostº-mor delRei D. Manoel»), D. Isabel da Cunha e D. Leonor Correia («mulher de Martim de Tavora Mestre-sala da Rª Catholica D. Isabel»).
Vê-se que se tratou de gente paçã.
Garcia da Cunha, que não casou, foi à Índia com o irmão Francisco da Cunha, em companhia do parente Tristão da Cunha – certamente em 1506 (terá também seguido com o mesmo Tristão da Cunha, em 1514, na célebre embaixada ao Papa?). Foi apesar de tudo pai de «D. Elena da Cunha q casou com Paulo da Fonseca em Braga fazendolhe seu pae hu vinculo em Villameam junto a quinta de Farlães».
Segundo Teotónio da Fonseca, este vínculo estabeleceu-se em . Parece deduzir-se contudo da informação do P.e Jácome Dias que a essa data Garcia da Cunha já tivesse morrido.
Uma dúzia de anos antes, aquando da realização do tombo de Viatodos, Garcia da Cunha é mencionado, como se viu acima.
Diogo Correia, o seu irmão mais velho, foi quem sucedeu em Fralães. Casou com D. Isabel Pereira, filha de Álvaro Pinheiro Lobo, o velho, alcaide-mor de Barcelos, e de sua primeira mulher D. Joana de Lacerda (importantes estas mulheres, pois, mais adiante, os senhores de Fralães adoptarão o apelido de Lacerda – que delas lhes veio.)
O casal teve onze filhos: Francisco Correia (que «morreo moço»), Belchior Correia de Lacerda, António Pereira Correia, Paulo da Cunha, Gonçalo Correia da Cunha, Nicolau da Cunha (que «morreo minino»), Nuno Álvares Pereira, Álvaro da Cunha (que se fez frade crúzio), D. Maria (freira em Vila do Conde), D. Elena (freira em Estremoz), D. Margarida Cunha («Dama da Infante D. Isabel e m.er de D. Fernando de Nr.ª»).
A morte prematura de Francisco Correia não evitou que Belchior Correia de Lacerda, filho segundo, fosse à Índia. Foram também à Índia António Pereria Correia e Gonçalo Correia da Cunha; Nuno Álvres Pereira, esse finou-se por lá (ou talvez não, segundo a nota da página anterior).
Belchior Correia de Lacerda, o homem que chamou o P.e Jácome Dias, «herdou a casa de seu pae, e foi s.r da quinta e honra de Farlães». Casou com D. Isabel de Pina, filha de Fernão de Pina e de sua mulher, Guiomar de Almeida. Como não teve geração, a casa passou ao irmão António Pereira Correia.
António Pereira Correia, que, em 1527 acompanhou à Índia o governador Nuno da Cunha, foi ainda comendador de S. Miguel de Borba de Godim, junto a Felgueiras, por morte de D. João III, no ano de 1547. Casou com D. Violante de Azevedo, filha de Cristóvão Azevedo Coutinho, escrivão da Lixa, a qual ele furtou e, depois de terem alguns filhos, casou com ela.
Não obstante este princípio nada edificante, ainda teve filhas freiras, uma em Guimarães, outra em Estremoz, como aliás o P.e Jácome Dias anotou. Também nos assentos da paróquia aparecem alguns dos filhos masculinos, que foram: Cristóvão Correia Pereira, Diogo Correia de Lacerda, Manuel de Lacerda Pereira, Nuno Álvares Pereira.
Estas informações da Pedatura Lusitana confirmam e ampliam as que iremos colher dos escritos do P.e Jácome Dias.
A trasladação da igreja
Vejamos agora o seu memorando da trasladação da igreja e de como o pároco a dotou dos seus pertences:
Na era de mil quinhentos e sessenta e um, fui eu, Jácome Dias, vigário de S. Salvador de Arnoso, provido desta igreja de S. Pedro do Monte de Fralães, a apresentação de Belchior Correia de Lacerda, fidalgo e padroeiro in solidum de dita igreja, mas de pouco rendimento, porque, no primeiro ano arrendei os frutos dela a Gonçalo Álvaro, da Porta, da mesma freguesia, por doze mil réis, e por causa desta larguei a vigararia de S. Salvador de Arnoso e renunciei-a em Luís de Araújo, presbítero, morador em Braga.
Declaro, para lembrança dos que vierem depois, que um Garcia da Cunha, morador em Vila Meã, da freguesia de Silveiros, comeu os frutos dela cinquenta anos, em coroça, contratado com Simão Barbosa que fosse abade e ele comesse os frutos, e assim foi.
A qual igreja estava em cima no monte e não diziam missa senão de mês em mês. Assim se morreram estes dois e tal ficou que não tinha de seu mais que ermida no monte, que mais parecia casa de gado que igreja; tão desborratada a achei no espiritual e temporal que nem os fregueses eram curados como cumpria nem ela tinha coisa que pudesse servir. Por modo que, como esta não tinha serventia competente, nem os fregueses se enterravam nela, mas, como ovelhas sem pastor, se enterravam, em outras igrejas onde se antolhasse.
E logo, na sobredita era de sessenta e um, me foi mandado por visitações de Manuel Coelho, visitador, a mudasse à povoação, onde ora está. E mudei e fiz toda às minhas custas por os fregueses não serem mais que doze e pobres. Somente me deram seis mil réis para ajuda. E ela feita e acabada pelo ano de sessenta e cinco, por visitações, comecei a compor o retábulo que ora tem, de três painéis, scilicet, S. Pedro, S. Paulo, S. Miguel e outras pinturas no pé do retábulo de que tinha devoção. E custou-me o retábulo em branco dois cruzados, e os painéis trinta cruzados. E, para que haja memória, pus uma vestimenta de festas de damasco alaranjado com seus sabrastos de brocadilho verde. Item um cálice; pus também vaso e patena de prata, pé de latão dourado. Item pus mais um livro de missa bracarense. Um manual; uma toalha, duas francesas para os altares; pus uma pedra de ara; uma caixa pintada para os corporais; três mesas de corporais, um cendal vermelho, uma lanterna, uma caixa de couro para o cálice; um turíbulo, umas galhetas, umas vidraças na fresta. Comprei também umas âmbolas para os óleos, uma caldeira para a água benta; uma verga de ferro para a corrediça, a corrediça de linho, um frontal de gomedecil, uma caixa nova para os ornamentos; um confessionário me custou três cruzados, com dar a madeira; um escabelo ao pé do altar, uma vestimenta de chamalote nova, um catecismo, forro para o altar-mor, uma caixa de couro para as hóstias, um livro de duas mãos de papel branco para as visitações.
E, porque isto tudo passa na verdade, eu, Jácome Dias, abade desta pobre dita igreja de São Pedro do Monte, pus esta lembrança na qual declaro que não lhe achei coisa de assento, nem casa nem campo, somente o dízimo destes doze fregueses, e ainda eles pagam a Viatodos muita parte sem ter propriedade alguma que eu visse nem soubesse parte.
Assim eu levei muito trabalho, descanso para o que vier depois; mas confio que Aquele que assim o determinou me perdoará meus pecados e dará a cada um secundum opera sua.
Em Fralães, aos vinte de Janeiro de mil e quinhentos e sessenta e quatro.
Uma estante para o altar, pintada; uns tocheiros.
Jácome Dias, abade de S. Pedro do Monte. Comecemos por notar que há erro numa das datas do autor. Ele conclui o seu apontamento em sessenta e quatro quando no corpo do texto refere já como passada a data de sessenta e cinco. Como é claro pelo registo de óbito de Belchior Correia de Lacerda, estes apontamentos foram lançados para o livro em data bastante posterior, embora existissem seguramente já em rascunho. Daí acaso qualquer erro de cópia.
Já vimos antes como em 1548, no Tombo de Viatodos, surgiam Garcia da Cunha e Simão Barbosa, os homens que aqui são responsabilizados pelo descalabro da paróquia. Belchior Correia de Lacerda não apareceu na altura. Não residiria ainda na sua honra.
Não será impossível que parte das despesas – até pelo seu volume e pelo reduzido espaço de tempo em que a obra terá sido feita – tenha sido custeada pelo senhor da Honra de Fralães, apesar do que o P.e Jácome afirma em contrário: «E mudei e fiz toda às minhas custas por os fregueses não serem mais que doze e pobres. Somente me deram seis mil réis para ajuda.»
Provavelmente, foi também Belchior Correia de Lacerda – que não tinha filhos – quem dotou a paróquia de passal e, quem sabe, de elementar residência. A igreja era «sua». O P.e Jácome Dias declara-o muito seu amigo, quando lhe escreve o registo de óbito.
O Tombo de Viatodos, que é um extenso documento, assinala propriedades da paróquia em várias outras freguesias, mas nenhuma em Monte de Fralães, como neste documento se afirma.
Cerca de setenta anos mais tarde, o pároco Pedro de Freitas lança no mesmo livro dos registos paroquiais uma relação dos bens da igreja que condiz muito de perto com a do P.e Jácome Dias.
A partir de meados do século XVIII, Monte de Fralães passou a servir-se sobretudo da capela de Nossa Senhora da Saúde, que tinha sido alargada duas vezes, que tinha rendimento próprio, que era certamente maior e mais ao gosto artístico do tempo. A igreja paroquial foi caindo em abandono. Quando o P.e João Rosa curou a freguesia, tratou de restaurá-la, notando certamente a sua valia histórica. Todavia, no dealbar da República acabou por ser demolida. Conservam-se dela algumas pedras que indubitavelmente atestam a sua antiguidade.
[1] Segundo um documento de Vilar de Frades, publicado em Joaquim Alves Vinhas, A Igreja e o Convento de Vilar de Frades, Barcelos, 1998, pág. 324: «Debaixo da torre velha obrarão os senhores de Farellães no anno de 1519 huma capella para seu enterro em que estão sepultados Gonçalo Correa, e sua mulher Dona Margarida de Prado, e sua cunhada Dona Maria de Prado senhora da quinta da Juncoza; jazem mais na dita capella Diogo Correia e sua mulher Dona Izabel e seu irmão Dom Nuno Alvares Pereira».
Nas imagens: a assinatura do abade Jácome Dias e framento duma folha dum caderno onde se assinala a venda, em 1911, dos altares e da tribuna da Igreja Velha, que é esta que o P.e Jácome Dias trasladou do monte "à povoação".
É curioso a forma pouco formal com que o Pe. Jácome Dias se refere a Garcia da Cunha.
ResponderEliminarÉ também estranho que em 1561 ele o considere já falecido (em 14 de Janeiro de 1565 Garcia da Cunha instituiu o vínculo de Vila Meã a favor da sua filha única D. Helena).
Vasco de Carvalho Pereira e Campanella
vasco.campanella@gmail.com