sábado, 31 de outubro de 2009

Jácome Dias, pároco quinhentista (continuação)

Publicação dos documentos do Concílio de Trento

Mas o P.e Jácome Dias deixou ainda uma outra «memória». Tem a ver com o Concílio de Trento e nela se fala desse grande arcebispo bracarense e padre conciliar que foi D. Fr. Bartomomeu dos Mártires. Vejamo-la:

Certifico eu, Jácome Dias, abade desta igreja de S. Pedro do Monte de Fralães, diocese bracarense, que hoje, domingo primeiro depois que me foi dado por Francisco Domingues, cura de Nossa Senhora de Nine, um traslado, em letra redonda, duma bula de nosso Santo Padre Pio IV, de confirmação dos decretos do Santo Concílio Tridentino, assinado do sinal do senhor doutor André Ferreira, provisor deste nosso arcebispado bracarense, e assim mais um decreto sobre os casamentos, para remédio dos grandes males e inconvenientes dos casamentos clandestinos, com a determinação do que ordenou o Santo Concílio sobre isto, e assim dos padrinhos e madrinhas, determinou não sejam daqui para diante mais que um padrinho e uma madrinha. O qual decreto vem também em letra redonda, por mandado do ilustríssimo senhor Frei Bartolomeu dos Mártires, arcebispo e senhor de Braga, e assinado por seu provisor, o qual começa: «Quando algumas pessoas se quiserem casar... etc.»
Feita primeiro procissão de acção e dar graças ao Senhor Deus por tão imensos benefícios e mercês, como nos foi mandado, à estação, na ermida de S. Nicolau da mesma freguesia, porquanto, ao presente, não dizia missa ainda na nova igreja, li e publiquei em alta voz, inteligível dos meus fregueses, a sobredita bula de confirmação dos decretos do sagrado Concílio Tridentino e mais o decreto sobre os casamentos clandestinos, e assinei os fregueses na certidão que levei ao senhor Arcebispo e ficou esta memória neste livro.
Em vinte e dois dias do mês de Outubro da era de 1564.
Os que assinaram na certidão que levei ao senhor Arcebispo foram:
O senhor Belchior Correia de Lacerda, Gonçalo Martins, Pêro Martins, António Domingues, Domingos Gonçalves, António Martins, Pêro Gonçalves, Pêro Álvares, Gonçalo Álvaro da Porta, fregueses nesta freguesia de S. Pedro do Monte da Honra de Fralães.
E porque passa na verdade, pus aqui esta certidão assinada por mim. Dia, mês, era supra.
P.e Jácome Dias

D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, que tomou parte no Concílio de Trento, foi o primeiro bispo da Cristandade a publicar as determinações conciliares. Este documento confirmará o facto.
Em Outubro de 1564, o P.e Jácome Dias ainda não utilizava a igreja nova, que não estaria pronta. Por isso, serve-se da ermida de S. Nicolau, que corresponde com certeza à futura capela de Nossa Senhora da Saúde e actual igreja. Não passaria duma ermida e era certamente a capela particular dos senhores de Fralães.
O P.e Jácome Dias chama algumas vezes à freguesia S. Pedro do Monte, que era o seu verdadeiro nome. No documento da trasladação da igreja, chama-lhe uma vez S. Pedro do Monte de Fralães. De Fralães, pois poderia haver outras com o mesmo nome, mas que não pertenciam a Fralães. Aqui crisma-a de S. Pedro do Monte da Honra de Fralães.
O actual nome da freguesia abrevia este modo de designar.

Alguns registos paroquiais do P.e Jácome Dias

Recolhem-se de seguida alguns dos mais significativos registos do P.e Jácome Dias. O primeiro é o da esposa do seu amigo Gonçalo Álvaro, da Porta. Que já foi enterrada na igreja nova.

A 29 de Julho de 1564 se faleceu a mulher de Gonçalo Álvaro, da Porta. Jaz dentro da Igreja. Não fez manda.

A Quinta da Porta era, até há pouco, uma grande quinta, com três casas de caseiros, além da dos senhores. Escreve Teotónio da Fonseca que os seus donos tiveram no século XVI larga questão com os senhores de Fralães.
Seguindo a ordem cronológica, temos agora o registo de óbito de Belchior Correia de Lacerda:

Quarta-feira, dia de S. Bartolomeu que foi aos 24 de Agosto de 1569, se faleceu o senhor Belchior Correia de Lacerda. Não fez manda. Levaram o seu corpo a Vilar de Frades. Foi acompanhado de muita gente, e por ser no tempo de Verão, fedia muito, que não podiam suportar o grande fedor. Deus lhe perdoe, que era muito meu amigo e me apresentou nesta sua igreja.
Sua mulher, D. Isabel de Pina, se foi para o seu morgado da Guarda e se faleceu na era de 1576, a quem Deus, Nosso Senhor, tenha em seu reino. Amen.
Obviamente interessante este registo. D. Isabel de Pina, que já não seria nenhuma criança e se calhar já tinha ido à Índia, regressava agora ao seu morgado da Guarda: dentro em pouco, estará na Honra o seu cunhado António Pereira Correia. O cadáver de Belchior, esse era despachado para o Mosteiro dos Lóios de Vilar de Frades, num cortejo que não deixou agradável memória. Para não fazer manda, a sua morte terá eventualmente sido súbita.

Neste mesmo dia (14 de Fevereiro) recebi a António Jorge, índio, escravo que foi do senhor Belchior Correia de Lacerda, com Isabel Gonçalves, filha de Gonçalo Enes, lavrador de Vila de Conde. E me constou, por um assinado do vigário de Vila de Conde, dera os banhos e não haver impedimento.

Índio ou indiano, este escravo lá foi para longe. Se calhar ainda vivia D. Maria, a irmã de Belchior Correia de Lacerda que se fizera clarissa em Vila do Conde.

Aos 8 dias de 1580, recebi eu, Jácome Dias, abade de S. Pedro do Monte, a Baltasar Martins, da freguesia de Santa Maria de Viatodos, com Cecília Ferreira, criado do senhor comendador António Pereira, natural de Borba de Godim, ante o senhor Gonçalo Correia, o senhor Diogo Correia e os fregueses.

Já estão instalados os novos senhores da Honra – já o estariam há muito.

Aos 8 do mês de Outubro de 1581, entrou a senhora D. Maria, filha do senhor António Pereira e da senhora Dona Violante, no Mosteiro das freiras de Guimarães. Foram com ela, a senhora D. Violante e seus filhos Cristóvão Pereira, Diogo Correia, Manuel de Lacerda, Estêvão Ferreira e outra muita gente. Nosso Senhor a faça santa.

A Casa de Fralães deu e vai ainda dar várias vocações religiosas. Estamos no tempo mais combativo da Contra-Reforma. Os jesuítas, que havia chegado a Braga ao mesmo tempo que D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, desde há vinte anos que tinham activo o seu Colégio de S. Paulo, para cuja fundação concorrera o próprio S. Francisco de Borja, bem como o beato Inácio de Azevedo.

Aos 8 de Julho de 1587, se foi o senhor Cristóvão para casar a Estremoz com a senhora Dona Luísa de Vasconcelos, filha de António de Pina e de sua mulher Guiomar Serrão.

Foi casar longe o próximo senhor de Fralães. Ele tivera, ou ainda tinha, por lá uma tia freira…
O segundo dos seus dois filhos vai-se fazer dominicano, tomando o sonante nome de Fr. Bartolomeu dos Mártires.
E damos aqui por concluída esta nossa «lembrança» do P.e Jácome Dias, um grande pároco de Monte de Fralães – que apanhou a freguesia da lama e lhe devolveu a dignidade.
Homem instruído, desprendido do seu, empreendedor, decerto piedoso, um anónimo da Contra-Reforma, um pároco ilustre de Monte de Fralães. Registamo-lo como um dos muitos que passaram pela freguesia, em condições tão difíceis que de um deles se conta que, indo-se embora ao fim de sete anos, nunca tinha realizado qualquer daqueles rituais que lhe podiam trazer um pequeno acréscimo de rendimento: «Nunca baptizei, nem casei, nem enterrei».

Imagens: centária oliveira do terreiro que pode ter sido madada plantar por D. Frei Bartolomeu dos Mártires e que deve indicar a direcção da porta principal da antiga Igreja Paroquial; resgisto de óbito do senhor de Fralães Belchor Correia de Lacerda.

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